JN: Pais de crianças com deficiência insatisfeitos com resposta escolar

 






Recusa de matrículas e pressão para crianças serem transferidas de escola estão entre as situações de discriminação



Inquérito revela que 73% dos pais consideram que legislação não preenche necessidades escolares dos filhos com deficiência. Relatam falhas graves na prestação de terapias em contexto educativo.


A falta de aplicação de medidas está a gerar um forte descontentamento entre pais com crianças e jovens com necessidades educativas específicas: 73% consideram que a inclusão nas escolas não melhorou desde a implementação do decreto-lei que regula a educação inclusiva.

É uma das conclusões de um inquérito a que o JN teve acesso sobre a aplicação do decreto-lei 54/2018, realizado pelo Movimento por uma Inclusão Efetiva (MIE), de pais de crianças e jovens com deficiência, neurodivergência e surdez.

Para a porta-voz e coordenadora do relatório, Filipa Nobre, “os resultados não surpreendem” e, na verdade, confirmam as dificuldades que o MIE identificou numa petição com vista à revisão da lei, em janeiro último.

Faltam professores

“Os pais estão muito descontentes com o decreto”, sublinhou, alertando para problemas que são transversais e anteriores à legislação atual, como a falta de professores de educação especial, a terapeutas, até psicólogos e assistentes operacionais, de condições físicas nos espaços escolares e aquisição de materiais de apoio ajustados às necessidades destes alunos.

A análise resulta de 1036 respostas válidas de encarregados de educação de alunos com necessidades educativas específicas – sobretudo em idades do 1.° Ciclo (37%) e Pré-Escolar (19%) – de norte a sul do país, incluindo Madeira e Açores, através de um inquérito online realizado entre janeiro e março deste ano.

No entanto, os dados devem ser lidos com cautela: mais de metade das respostas recolhidas são de pais de crianças no pré-escolar e 1.º ciclo, pelo que muitos não tiveram uma experiência prévia com o regime anterior (decreto-lei n.º 3/2008). Por isso, as opiniões manifestadas refletem sobretudo as falhas atuais, mais do que uma avaliação comparativa entre regimes legais, explicou Filipa Nobre.

Outro inquérito online semelhante, mas aplicado a profissionais que acompanham estas crianças, também evidencia falhas: 58% dos inquiridos (num total de 423) consideram que a inclusão nas escolas não melhorou desde que a nova legislação entrou em vigor.

Agressões físicas e psicológicas

Os pais queixaram-se igualmente de uma maior incidência de agressões físicas e psicológicas e de situações de discriminação, como a recusa de matrículas e pressão para as crianças serem transferidas de escola, bem como do facto de equipas multidisciplinares de apoio tomarem decisões em que as necessidades das crianças são omitidas devido à falta de recursos.

“Temos casos em que a criança precisa de terapia da fala três vezes por semana, mas como não há terapeuta, indicam que a criança só precisa de uma”, exemplificou.

No que diz respeito à prestação de terapias nas escolas, os dados revelam um cenário preocupante: a maioria dos pais (58%) afirma que as terapias necessárias não estão a ser realizadas e entre os que reportam algum tipo de intervenção, quase todos (96%) consideram-na insuficiente face às necessidades das crianças.

A sobrelotação de turmas além do limite estipulado na lei é também uma realidade ignorada que acaba por prejudicar o tempo em sala e as horas de apoio direto. “A criança devia estar 60% do tempo em sala, acaba por estar 60% ou mais tempo fora”, apontou Filipa Nobre.

Lacunas no pré-escolar

Entre os pais com filhos que têm um relatório técnico-pedagógico (RTP) ou um programa educativo individual (PEI), a maioria (69%) diz ter sido ouvida na elaboração destas medidas. Todavia, “temos pais que assinaram os programas sem terem sido envolvidos, portanto, é uma assinatura leiga”, denunciou a porta-voz.

Os números mostram ainda que 54% dos encarregados de educação dizem que o processo individual dos seus filhos tem sido partilhado consigo, enquanto 46% não têm conhecimento.

As lacunas no Pré-Escolar também preocupam os pais, com muitos a defenderem uma revisão da lei que valorize esta etapa como essencial no percurso inclusivo.

O facto de “o jardim de infância não ter direito a RTP” ou “a inexistência de salas de integração sensorial” sugerem que esta fase educativa está a ser negligenciada. “Não havendo um Pré-Escolar que inclua, respeite e ajude a família a trilhar esse caminho, falha-se logo no início”, defendeu Filipa Nobre. 

As conclusões indicam que “há uma subjetividade na aplicação da lei”, uma vez que varia entre escolas, e “as que tinham recursos antes mantêm, as que não tinham continuam sem ter”, pode ler-se no relatório. E torna-se evidente neste inquérito no que toca à resposta terapêutica: apesar de alguns distritos indicarem níveis de satisfação, coexistem perceções positivas e negativas relativamente à mesma oferta. Os distritos de Bragança, Castelo Branco, Évora, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real e também na Madeira destacam-se pelas avaliações mais negativas feitas pelos pais.

 O regime jurídico atual está a ser avaliado e o Ministério da Educação prevê que esse estudo esteja concluído até ao fim do presente ano letivo, tal como noticiou o JN. Paralelamente, a Direção-Geral da Educação está a realizar um trabalho de revisão para apresentar “um conjunto de propostas de melhoria a implementar” no ano letivo 2025/26.

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